quinta-feira, 24 de outubro de 2019

É legítimo o tratamento preferencial dado na atualidade aos descendentes de povos que sofreram violência e injustiça sociais no passado (indígenas, afrodescendentes, judeus etc)?

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O Primeiro Testamento registra a fé dos judeus de que Javé - seu Deus - escolheu Israel de entre todas as nações - inclusive as nações mais poderosas econômica e militarmente - para ser o seu povo eleito, libertando-o das mais diversas formas de escravidão e violência. Israel era uma amostra do que Javé queria fazer com as demais nações que chegassem a acreditar n’Ele.
As quatro versões do Evangelho registram a fé dos cristãos de que Jesus - Deus Filho feito Homem - escolheu os mais pequeninos - crianças, viúvas, estrangeiros, doentes, samaritanos, prostitutas, pobres, pecadores - de entre todos os judeus para conformar o “novo povo de Deus” - a Igreja, libertando-os da influência do mal e das suas manifestações na religião e na política em Israel. Os pequeninos eram uma amostra do que Jesus - através da Igreja - queria fazer com as mulheres e homens de todas as nações que chegassem a acreditar n’Ele.
Os Atos dos Apóstolos e as cartas pastorais do Segundo Testamento registram que os Apóstolos e as primeiras comunidades cristãs - enfrentando profundas resistências, tanto entre os judeus da Palestina quanto entre os não judeus esparramados pelo Império Romano - entenderam e colocaram em prática as opções de Jesus Cristo, animados pelo poder do Espírito Santo.
Saltando velozmente no tempo e no espaço, os bispos da Igreja Católica na América Latina e no Caribe - reunidos em conferência na cidade de Puebla de los Ángeles (México, 1968) e depois na cidade de Medellín (Colômbia, 1979) - fizeram uma “opção preferencial pelos pobres”, em nome dos católicos do continente latino-americano, seguramente influenciados pela Doutrina Social da Igreja e, mais particularmente, pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.
Para os bispos latino-americanos, os pobres têm rosto: são indígenas cujos ancestrais foram dizimados pelos colonizadores europeus; são afro-descendentes cujos ancestrais foram violentamente trazidos da África, escravizados e, “terminada” a escravidão, foram abandonados à própria sorte; entre outros grupos, como campesinos, operários mal-remunerados etc. Os pobres da América Latina e do Caribe esperavam da Igreja que lhes testemunhasse um Cristo libertador que, no mistério da Encarnação, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza.
Os cristãos têm um olho no tempo presente e nas atuais situações de injustiça e miséria, e o outro olho no tempo passado e nas suas inesquecíveis atrocidades, cujas conseqüências continuam sendo sentidas na atualidade. O Cristianismo conserva a incômoda memória diante de uma sociedade que insiste em nivelar as pessoas e convencer os cidadãos de que a todos são dadas as mesmas oportunidades, bastando que eles aproveitem as chances, como se todos partissem do mesmo ponto comum.
Para o cristão, sim, é legítimo o tratamento preferencial dado na atualidade aos descendentes de povos que sofreram violência e injustiça sociais no passado. Reconhecemos que os povos têm direito a defender os seus valores culturais e tradicionais, como as tribos indígenas e as comunidades quilombolas, com idioma próprio e uma religião ancestral. Ainda que apresentemos a eles a nossa fé e os valores da cultura ocidental e cristã, respeitamos a sua visão de mundo e nos empenhamos para que também eles tenham acesso à educação, à saúde, à defesa dos seus legítimos direitos. Para tanto, precisam ter acesso à educação básica, profissional e acadêmica, à qual estiveram historicamente privados, ainda que as constituições nacionais assegurem a igualdade de condições.
Infelizmente existem, sim, pessoas que adotam uma postura vitimista pela sua origem étnica. Mas não podemos fazer das exceções uma regra que vale para todos. Por isso é sempre importante, além de assegurar oportunidades de acesso à educação e à representatividade, fortalecer políticas afirmativas da unidade na diversidade.



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